Artigo: Negócio Jurídico Processual: Instituto pouco explorado, mas de poder real de adequação da demanda às necessidades dos jurisdicionados
Postado em 2022-10-02Com a entrada em vigor, em 2016, de um “Novo Código de Processo Civil” as mudanças substanciais de institutos até então bem íntimos dos operadores do Direito, como os prazos para recursos, que acabaram sendo em sua maior parte uniformizados em 15 dias úteis, bem como alguns frutos trazidos por ventos doutrinais bastante inovadores, e aqui se utiliza o exemplo dos precedentes normativos regulados pelo artigo 927 do Código, a complexidade das normas processuais brasileiras foi elevada a um novo patamar.
Em meio às tantas mudanças, os juristas ainda se deparam com novidades de procedimentos e de resultados de processos, mais de seis anos após o início da vigência do Estatuto Processual, sendo que muitas alternativas inovadoras e processualmente estratégicas acabam sendo pouco utilizadas ou esquecidas, como frequentemente ocorre em matéria de negócios jurídicos processuais.
A título de exemplo, em julgamento recente a 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo(1) deu provimento ao pedido da parte agravante para considerar a existência de negócio jurídico processual entre as partes. É que, a princípio, a demanda se iniciou como ação renovatória de aluguel, mas superada a questão material da renovação as partes avençaram pelo prosseguimento do feito somente para a apuração e cobrança de débitos locatícios, alterando o objeto inicial da lide.
O juízo a quo havia desconsiderado o negócio jurídico processual estabelecido entre as partes e julgado precocemente a ação se debruçando sobre a questão renovatória (já então resolvida), de maneira que o voto reverteu a situação processual para prestigiar o negócio jurídico das partes, repisando o conhecimento segundo o qual “(…) embora estabilizada a demanda em razão do saneamento do processo, é admitida a realização de negócio jurídico processual por meio do qual seja viabilizada modificações na ação”, com a citação de Humberto Theodoro Júnior que ora se copia:
Saneamento do processo. O termo final para que o autor possa, com o consentimento do réu, alterar o pedido ou a causa de pedir é o saneamento do processo. Depois dessa decisão, não mais é possível proceder-se à referida modificação, ainda que haja consentimento expresso do réu. ‘O que agora se cuida, sob o pretexto de estabilização da demanda, é apenas de disciplinar os casos de aditamento ou alteração do pedido por livre convenção das partes, sem que o juiz possa se opor às inovações decorrentes do ajuste dos interessados. Ultrapassado o saneamento, as modificações do pedido continuam sendo possíveis, mas terão de submeter-se a regramento específico, que dão poder de controle ao juiz, como no negócio jurídico processual (2).
O comando posto vem do artigo 190 do Novo CPC, segundo o qual “(…) é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”, de modo que transigir acerca de prazos, delinear as matérias a serem discutidas em eventual processo judicial, delimitar disputas em material recursal, entre outros, são possibilidades reais das quais podem gozar os jurisdicionados – e consequentemente os patronos que os representam – para tornarem o processo judicial mais adequado à realidade posta entre os litigantes.
A estratégia dos negócios jurídicos processuais ainda é pouco explorada pelos advogados, e até mesmo pouco compreendida pelos aplicadores da lei (como demonstrado no exemplo acima), mas tal instituto também viabiliza a formação de relações jurídicas mais sofisticadas, tangenciando o Direito dos Contratos, inclusive, pois o negócio jurídico processual pode se dar por avenças anteriores às batalhas judiciais, nas ocasiões em que as partes irão desenhar os termos dentro dos quais desempenharão a querela bem ajustada, apropriada, adequada aos seus interesses.
É trabalho do advogado interceder pelos interesses dos jurisdicionados e proporcionar o resultado mais adequado, sendo imperioso ao profissional do Direito explorar todas as vias legalmente pavimentadas e viabilizar ao cliente abertura de caminhos para a obtenção do bem da vida pleiteado.
REFERÊNCIAS:
(1) Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento 2254317-95.2021.8.26.0000; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 27/05/2022; Data de Publicação: 27/05/2022
(2) THEODORO JR., Humberto. Estabilização da demanda no novo Código de Processo Civil [RP 244/201]. Código de Processo Civil Comentado, Revista dos Tribunais, 17ª Edição, 2018, p. 871.
AUTORES:
Nicole Bueno das Neves Braga Galha
Membro da Comissão de Direito Processual Civil da OAB – Subseção Tatuapé.
Victor Braga Galha da Silva
Secretário da Comissão de Direito Processual Civil da OAB – Subseção Tatuapé
COMISSÃO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL – 101ª SUBSEÇÃO TATUAPÉ
Fernanda Zambrotta
Presidente da Comissão
Vitor Dias Conceição
Vice-presidente da Comissão
SETEMBRO/2022